sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Eu e os Outros

Aos Que Virão depois de nós

I
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses,
quando falar sobre flores é quase um crime?
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso.
Nada do que eu faço dá-me o direito de comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens!

Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempoque me foi dado viver sobre a terra.

Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

As forças eram limitadas.
E a meta achava-se muito distante.
Eu podia vê-la claramente
Ainda quando parecia, para mim, inatingível
Assim se passou o tempo
Que me foi dado para viver sobre a terra

III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de sapatos,
desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós com um pouco de compreensão.

Nenhum comentário: